O paradoxo ‘livre-arbítrio humano x onisciência divina’ é, sem dúvida, um problema teológico/filosófico que preocupa muitas pessoas que acreditam em Deus. Sendo perfeito, Deus de fato tem de saber tudo o que acontece, mas também tudo o que virá a acontecer. Isso é o que queremos dizer quando designamos Deus como “onisciente”. Então, se Deus é de fato todo poderoso e prevê o futuro, ele tem de saber quem ganhará a próxima loteria federal, por exemplo. Ele deve ter o conhecimento prévio de tudo o que vai acontecer. O que ele prevê deve necessariamente acontecer. Portanto, neste momento, Deus sabe qual será o desdobramento de todas as coisas presentes e futuras. Davi disse: “antes mesmo que eu fale, tu já sabes o que vou dizer”.
Disso segue-se que Deus deve saber qual será nossa próxima ação, mesmo que nós ainda não tenhamos certeza do que faremos. No momento em que tomo uma decisão sobre o que fazer, parece que diferentes futuros possíveis surgem diante de mim. Se me vejo diante de uma bifurcação na estrada, por exemplo, posso ir para a direita ou para a esquerda ou simplesmente parar. Isso parece ser minha decisão, algo que escolho ou não fazer. Não há ninguém me forçando a tomar uma ou outra direção. Eis aí o dilema: como pode Deus saber o que acabaremos fazendo? Se Deus sabe quais serão nossas próximas ações, como podemos ter uma escolha genuína sobre o que iremos fazer? Seria a escolha apenas uma ilusão? Parece que não posso ter livre-arbítrio se Deus sabe tudo. Há dez minutos, Deus poderia ter escrito num pedaço de papel: “Carlos viajará para o Rio de Janeiro”. Por ser verdade, eu necessariamente viajaria quer eu soubesse ou não disso naquele momento. Mas se ele fizesse isso, há quem diga que eu não teria escolhido o que fiz, ainda que sentisse como se tivesse escolhido. Minha vida já estaria delineada ou predestinada para mim em cada mínimo detalhe.
Desse dilema, um novo surge: se não temos nenhuma escolha a respeito de nossas ações, até que ponto é justo sermos punidos ou recompensados pelo que fazemos? Se não podemos escolher o que fazer, então como Deus pode decidir se iremos ou não para o céu ou para o inferno? Isso seria de fato perturbador, um paradoxo. Em tese, não parece possível que alguém soubesse o que farei e que ainda assim eu tivesse uma livre escolha sobre o que faço. Essas duas ideias parecem contradizer-se mutuamente. Contudo, ambas são plausíveis se acreditarmos que Deus é onisciente.
No entanto, creio que nós temos sim livre-arbítrio. Ele não é uma ilusão. Pois, uma coisa é Deus saber o que faremos, outra coisa bem diferente é ele ter predestinado nossas ações ora previstas. Ou, dito de outra forma, o conhecimento de Deus a respeito das nossas ações futuras não implica necessariamente a predestinação destas. Assim sendo, nós ainda temos uma escolha sobre o que fazer ou deixamos de fazer.
Onde está o erro? Erramos ao pensar em Deus como se ele fosse um ser humano que observa o desdobramento das coisas no tempo. Teologicamente falando, Deus é atemporal, isto é, ele está fora de todo o tempo. Ou, dito à maneira de Pedro, para Deus, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia. Com isso, queremos dizer que Deus apreende tudo em um instante. Deus vê passado, presente e futuro como uma coisa só. Nós, mortais, estamos presos a um acontecimento após o outro, mas como disse o profeta Samuel, Deus não vê como o homem vê. Portanto, o fato de Deus não nos observar em nenhum momento específico é suficiente para afirmarmos que mesmo ele conhecendo nosso futuro ainda temos livre-arbítrio e não somos máquinas pré-programadas (marionetes) sem absolutamente nenhuma escolha. Até porque, Deus julgará os seres humanos em relação a como se comportam, isto é: com base nas escolhas que fazem e não com base naquilo que ele sabe de antemão. Por fim, dito isso, Deus é de fato onisciente, ele sabe exatamente o que fizemos ontem; fazemos hoje; e o que faremos amanhã, mas ainda assim continuará sendo nossa livre escolha tal ação.
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