O japonês Yoshihide Muroya levou seus conterrâneos ao delírio no último final de semana, ao conquistar em seu próprio país o primeiro lugar na etapa de Chiba da Red Bull Air Race.
O brasileiro Engenheiro Mecânico-Aeronáutico Guilherme Santana, sócio da empresa mineira Aeron, é um dos responsáveis pelos bons resultados do piloto. Ele e seus sócios, 3 engenheiros mecânico-aeronáuticos e 1 engenheiro eletricista, prestam consultoria ao piloto e o auxiliam com projetos de modificações aerodinâmicas, simulação e otimização do voo.
Confira a seguir a entrevista com Guilherme, falando um pouco mais sobre a incrível experiência de participar de um dos mais belos campeonatos esportivos do mundo.
– Há quanto tempo você trabalha com o Yoshihide Muroya?
Trabalho com o Yoshi desde o final de 2014, quando o Team Muroya contratou a minha empresa para realizar modificações aerodinâmicas para a equipe.
– Como funciona o serviço da Aeron? São uma empresa terceirizada ou fazem parte do time oficialmente?
Oficialmente existem 4 cargos no Red Bull Air Race: piloto, mecânico, estrategista e coordenador. Não possuo nenhum destes cargos oficiais, mas o time me considera como o engenheiro aerodinamicista. Eu sou sócio da Aeron Engenharia, empresa de consultoria em engenharia aeronáutica e sistemas eletrônicos, e o Yoshi contrata a minha empresa e todos nós trabalhamos para deixar o avião dele mais rápido.
– Pode descrever como funciona o trabalho de vocês antes da competição e também durante os dias de Air Race?
Nosso trabalho é realizado a maior parte do tempo em nosso escritório, pesquisando, projetando, calculando e simulando maneiras de deixar o avião mais rápido. Às vezes, vamos para corridas as quais temos um prazo prévio para trabalhar no avião e testar modificações, como em Chiba esse ano, mas não são todas.
– Com relação ao avião dele, qual o modelo utilizado? É o mesmo dos outros pilotos?
É o mesmo modelo de avião da maioria dos pilotos, Edge 540 V3. Porém, altamente modificado. Um Edge 540 V3 stock (sem modificação) pode ser 2 a 3 segundos mais lento que o avião do Yoshi.
– Como vocês o ajudam em deixá-lo ainda melhor?
Nós projetamos modificações aerodinâmicas para diminuir a resistência do ar ao movimento do avião (arrasto aerodinâmico), projetamos, calculamos, simulamos com métodos computacionais (CFD), desenhamos em CAD, supervisionamos a construção dos moldes e a construção final das peças em fibra de carbono. Também ajudamos com sistemas eletrônicos para aquisição de dados em voo de projeto e fabricação próprias, a fim de medir aspectos que podem ser melhorados na aeronave.
– Falando sobre uma parte mais técnica, qual a importância desses ajustes no avião?
Em todas as fases da corrida: retas, curvas, chicanes, manobra vertical (VTM), o avião de corrida está sujeito a diferentes valores de coeficiente de arrasto (CD), que ditam o desempenho da aeronave. Entender como este coeficiente de arrasto se comporta e como ele pode ser minimizado é um dos fatores mais importantes para se ganhar a corrida, ele dita a performance da aeronave, pois os motores e hélices são fixados pelo regulamento. Todos os motores são medidos em bancada de modo que todas as equipes tenham potências bem próximas. Resta, portanto, apenas a aerodinâmica das aeronaves para ser desenvolvida. Muito destes aspectos apresentam o que nós engenheiros chamamos de análise de “Trade offs”, ou compromisso em Português. Significa que, às vezes, reduzir o arrasto em algum regime de voo implica aumentar o arrasto em outro regime. Portanto, temos que analisar e simular o movimento da aeronave na corrida para entender se esse “trade off”, esta balança, está pesando para o lado certo.
– O Yoshi os ajuda nisso? Como é a relação de vocês com ele?
Sempre fazemos seções de “Brainstorming” com todos da equipe. Algumas ideias são trabalhadas e maturadas em equipe e o Benjamin Freelove, analista de corrida, e o Yoshi ajudam bastante. Sempre dão possibilidades e ideias pra gente trabalhar. O Yoshi é extremamente inteligente e experiente no mundo de acrobacia e aviação geral, tem uma bagagem que é sempre muito bem vinda para nós engenheiros. A relação é excelente, sempre fomos muito bem tratados por ele e por todo o pessoal na equipe, e no japão, fizemos e fazemos boas amizades. Ele sempre elogia nosso trabalho e tenta nos motivar a deixá-lo mais rápido.
– Quais foram as principais mudanças que fizeram ao longo desses anos com ele?
Projetamos o capô e mudamos completamente a maneira como o resfriamento do motor acontece, de modo que seja mais eficiente e necessite de menos ar para a refrigeração. Projetamos um canopy (bolha ao redor do piloto) e “turtle deck” (parte de trás da bolha do piloto) com design completamente diferenciado dos demais. Auxiliamos no projeto de ponta de asa. Projetamos as polainas (carenagem do trem de pouso) e pernas do trem de pouso, além de desenvolver sistemas de aquisição embarcados e de medição avançada de desempenho.
– Como a tecnologia vem influenciando no Red Bull Air Race?
É muito interessante pois, no começo, o pessoal olhava para o design e não acreditava muito. Hoje em dia tudo aponta que estamos entre as 2 ou 3 aeronaves mais rápidas da competição e o pessoal sempre vem tentar espionar e perguntar sobre o que estamos fazendo. Temos muitos brasileiros na competição e o pessoal respeita bastante pois contra fatos, resultados concretos, não há argumentos.
– Por que o Brasil tem se destacado nesse ramo da aviação?
Temos excelentes engenheiros aeronáuticos, trabalhando no mundo todo. Temos excelentes instituições de ensino e pesquisa. Começou com o ITA, mas hoje temos muitas instituições extremamente competentes no setor. Dentre elas cito a USP São Carlos (EESC – USP) e a UFMG. A última é a minha Alma Mater, onde passei grande parte do tempo no laboratório do CEA (Centro de Estudos Aeronáuticos), um centro de excelência em aeronaves leves, desde 1970, fundado pelo querido e eterno professor Cláudio Barros. Foram mais de 10 protótipos com design diferenciado, projetados, calculados e construídos por alunos e professores.
O CEA possui 9 recordes mundiais em aeronaves leves e trazemos parte dessa bagagem para a Air Race. Começamos trabalhando em conjunto com o Professor Paulo Iscold no Red Bull Air Race em 2009 e desde então sempre tivemos relação com a competição. Acredito que esta experiência “hands on” (com a mão na massa) que tivemos no CEA-UFMG nos formou bastante para os desafios do Air Race. Além disso, participei por 4 anos da competição SAE Aerodesign Brasil, na qual trabalho hoje em dia como voluntário ajudando na organização. Esta competição de engenharia foi muito importante para minha formação. São hoje 4 equipes com brasileiros no Air Race, 3 delas com engenheiros do CEA-UFMG e 1 com o coordenador da equipe.